Contada a partir de uma perspectiva feminina, a peça traz à cena histórias inspiradas nas narrativas de mulheres que viveram durante a ditadura militar no Brasil – muitas delas sem nenhum tipo de envolvimento com a luta armada – e sofreram com sua violência. Mostra que a repressão militar, geralmente associada à figura de homens (tanto na condição de carrascos quanto na de vítimas), também foi direcionada às mulheres.
O espetáculo aprofunda a humanidade dessas mulheres, sem ignorar o contexto de opressão, e traz à tona a força, a resistência e a potência de quem sobreviveu e conseguiu reconstruir a vida após a prisão, mas com um contorno muito particular, devido a questões de gênero. A premissa de “As mulheres dos cabelos prateados” é livremente inspirada no livro “As mulheres dos cabelos de metal”, da escritora brasileira Cassandra Rios (a mais censurada durante a ditadura).
A construção em versos é a maior marca de linguagem do espetáculo, que parte do olhar de estranhamento causado pelo absurdo do terror de Estado, passa pela perplexidade diante da ideia de país construída sobre o Brasil na ditadura e chega ao compromisso de solidariedade e consumação do desejo através da luta. Os acontecimentos relatados são recriados com inspiração nas formas do chamado realismo fantástico, com referência no romance “O parque das irmãs magníficas”, da escritora argentina Camila Sosa Villada, que, assim como Ave, também é travesti. Tudo sob o ponto de vista de uma alienígena: Zarka.
A alienígena Zarka e as mulheres Zurk
Com a expansão espacial na década de 1970, os seres humanos começam a enviar espaçonaves e satélites para lugares nunca antes alcançados no Universo. Temendo uma guerra, as mulheres Zurk – alienígenas de cabelos prateados, habitantes das crateras do planeta Vurk (Lua) – resolvem fazer uma investigação. Passam a encaminhar suas relatoras para diversos países a fim de pesquisar a humanidade – e decidir se ela deve ou não ser desintegrada.
Entre essas relatoras está Zarka, responsável pela estação brasileira de transmissão e locutora da rádio Zurk Brasil, pela qual informa outras Zurk sobre a situação do país. Disfarçada de humana e seguindo um pacto sigiloso, ela vive como uma mulher comum já na década de 1980. Mas Zarka consegue ler a mente das pessoas, descobrindo o que acontece com elas e aquilo que sentem.
Por meio do olhar distanciado dessa alienígena, que sobrevoa o Brasil com a Nave Kinis, a montagem traz à cena histórias de mulheres humanas; de personagens inspiradas nas narrativas de mulheres que viveram durante a ditadura militar no Brasil e sofreram com sua repressão sistêmica. Em comum, a perda de entes queridos causada por homens, quase sempre em situações de violência de Estado.
As terráqueas também são mulheres de cabelos prateados
Quando Zarka se depara com um ato da Comissão de Familiares e Vítimas da Ditadura, que realiza atos públicos nos quais mulheres dançam em praça pública para reivindicar o direito de enterrar seus mortos, há anos desaparecidos, o estranhamento que a cena causa na alienígena a leva a iniciar uma busca incessante por essas histórias, que vão sendo reveladas uma a uma – de Márcie, de Nilze, de Jacira e de Dilinda. Nenhuma das mulheres pesquisadas tinha envolvimento com a luta armada, o que revela o quanto era generalizada e gratuita a violência de Estado da ditadura.
Após tomar conhecimento dessas narrativas e abismada com o terror incompreensível que regia as relações e disseminava a injustiça no Brasil, Zarka decide não retornar ao seu planeta para ficar e lutar ao lado das humanas. Ela também pede às suas irmãs Zurk que não desintegrem a humanidade, pois ainda há pessoas batalhando para construir uma sociedade justa. E, ao reconhecer-se nas mulheres cujas histórias relatou, a alienígena percebe que elas também são mulheres de cabelos prateados.
Ficha Técnica:
Dramaturgia: Ave Terrena
Direção: Ave Terrena e Georgette Fadel
Assistente de direção: Sarah Lessa
Elenco: Camilla Flores (Márcie), Carlota Joaquina (Dilinda), Gabrielle Araújo (Nilze), Silmara Deon (Zarka) e Thais Dias (Jacira)
Trilha sonora e discotecagem ao vivo: DJ Evelyn Cristina
Direção de produção: Gabrielle Araújo
Produção executiva: Monica Vasconcellos
Figurinos: Helena Casal de Rey e Su Martins
Cenografia: Cesar Rezende [Basquiat]
Cenotécnico: Fernando Baiano
Iluminação: Carol Autran
Visagismo: Paulette Pink
Fotos: Letícia Godoy
Arte: Viviane Lamana
Redes sociais: Vox Baccai
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Idealização: Carlota Joaquina, Gabrielle Araújo e Silmara Deon
Produção: Caboclas Produções